segunda-feira, 13 de abril de 2015

O estado do desporto em Portugal



O Comité Olímpico de Portugal (COP) entregou no parlamento e às federações, dia 9 de Abril, um documento que retrata o panorama geral do desporto no nosso país. As conclusões principais que expõem servem para desmanchar o mito de que a falta de resultados é uma questão de falta de finaciamento. Também é, mas não só.
"Portugal tem um número diminuto de modalidades na primeira linha da alta competição mundial e, nas que alcançam esse estatuto, o número de atletas é igualmente diminuto. Os êxitos individuais em competições de primeira grandeza são devidos, na sua maioria, a 'exemplares únicos', circunstancialmente emergentes de contextos particulares e normalmente irrepetíveis, que não reflectem nem podem assegurar ao país um nível representativo estabilizado."
- relatório do COP



Este é o principal sintoma identificado no relatório e que deve servir de base para a discussão sobre o estado do desporto em Portugal. Não concordo totalmente com a primeira afirmação - para um país pequeno, estamos presentes a um bom nível em vários desportos diferentes, o que significa que, ou o potencial existe, ou os atletas que mostram resultados acabam por ter os mesmos apoios e condições que os atletas de topo nas várias modalidades (o que é bem possível, uma vez que no desporto nacional muitas vezes se mete os ovos todos no mesmo cesto). Quanto ao resto, não há dúvida de que a análise é correcta, talvez com a excepção do ténis de mesa - um fenómeno que talvez valha a pena analisar - e do futebol pelas razões conhecidas, e onde mesmo assim se depende de meia dúzia de talentos. O pior é mesmo a falta de consistência dos resultados, mesmo em desportos colectivos, estando as várias selecções dependentes do desempenho de alguns atletas chave; aumenta a pressão em cima desses atletas e as frustrações são mais comuns porque não há um plano B.

Outra crítica apontada pelo COP é a disseminação mais ou menos caótica de Centros de Alto Rendimento por todo o país. 

"Há alguma coisa estranha quando um país como Portugal, com défice de prática desportiva, apresenta números de CAR superiores a outros países [cerca de duas dezenas] (...) Muitas infra-estruturas estão aquém do que podiam oferecer porque não foram adequadas, tanto na localização como nas medidas de gestão."
- José Manuel Constantino, presidente do COP

Já Vicente Moura, anterior presidente do Comité, tinha criticado a construção dos CAR em 2013, lamentando "que não sejam conhecidos os critérios que deram origem à construção dos centros de alto rendimento, e que não tenha sido estudada a sua forma de gestão." Defendeu na altura aquilo que faz mais sentido num país com a nossa dimensão: que existissem três CAR (eu diria três mais um em Lisboa, para que não se concentrasse tudo, mais uma vez, nas principais cidades) nas zonas que fizessem mais sentido, com todas as valências. 

Este último ponto, o da multidisciplinariedade, é o mais relevante. Criar um CAR em Montemor-o-velho para desportos náuticos, um nas Caldas da Rainha para o Badminton e um em Peniche especificamente para Surf, mesmo que faça sentido pelo facto de lá estarem as federações ou os principais praticantes, acaba por condená-los ao quase abandono e elimina as grandes vantagens de concentrar várias modalidades num mesmo sítio. 

Centro de Alto Rendimento, Caldas da Rainha

Lembro-me bem quando foi criado o CAR de Badminton nas Caldas da Rainha, porque praticava a modalidade na altura: óptimas condições e mais tempo de imersão na modalidade, que se fizeram sentir nas performances dos principais atletas, mas um nítido sub-aproveitamento do espaço pela especificidade da utilização, que não tinha expressão real na zona e não era utilizado sem ser por atletas em preparação para grandes provas ou durante os torneios raros para o campeonato nacional - a população da região, por exemplo, pouco interesse tinha na infra-estrutura.

"Não podemos desvalorizar a questão do financiamento (...) Mas a questão do financiamento não pode ser a questão decisiva. Se colocarmos a tónica exclusivamente no financiamento estamos a criar uma ilusão. O desporto precisa de mais recursos financeiros, mas também de outras medidas que complementem o fluxo financeiro, sob pena de colocarmos o dinheiro em cima dos problemas e continuarmos com os problemas. É necessário que outros factores ocorram: a formação dos técnicos, a melhoria da resposta do tecido associativo, a educação física nas escolas" 
- José Manuel Constantino, presidente do COP

A questão das escolas é, provavelmente, a mais importante, com uma falta de orientação latente: ora se fazem medidas que sublinham a importância do desporto para o bem-estar dos alunos, ora se lhe retira peso curricular. A escola é muitas vezes o primeiro sítio onde temos contacto com o desporto e influencia muito o peso que tem na nossa vida futura, o quanto gostamos de o fazer e quanto tempo passamos a fazê-lo (duas coisas fundamentais, talvez as principais, para formar bons atletas). Talvez seja uma boa altura para estudar o modelo americano, onde não só se formam atletas incríveis com os quais ninguém consegue competir, mas também onde o desporto tem um impacto mais positivo na sociedade.




domingo, 5 de abril de 2015

Os Jogos do Sério - Hóquei em patins



É altura de mais um "Jogo do Sério". Há uns tempos assisti ao vivo a um jogo de iniciados, CACO vs Paço d'Arcos, e fiquei realmente impressionado com o que vi. Vamos às pontuações:

Watchability (isto é divertido de ver?): 10

É o primeiro 10 que dou em watchability. Só o facto de ser jogado em patins torna o desporto bom de se ver, a capacidade técnica por si seria suficiente, mas os movimentos fluídos tornam a coisa ainda mais bonita. É um desporto onde se ataca constantemente com transições rápidas pelo meio e com poucos momentos mortos. Além disso, e para quem vê ao vivo, o ambiente nos pavilhões é fantástico e os sons característicos do hóquei - as pancadas secas e agudas dos sticks e o raspar dos patins nas derrapagens - só servem para aumentar a mística dos jogos. Até o tal jogo de iniciados que eu vi foi emocionante! O único senão neste ponto é o facto de, na televisão, ser por vezes difícil de seguir a bola e ver as defesas dos guarda-redes, mas isso nem meio ponto retira.

Jogabilidade (isto é divertido e fácil de jogar?): 6

Divertido deve ser, e muito. Mas fácil não é de certeza. Tem de se aprender toda uma nova habilidade antes de se poder praticar a modalidade, e hóquei sem patins não é tão divertido. Para além disso é preciso equipamento muito específico (e caro) e é jogado em pavilhão.



Factor cool: 8

Admito que acho que tem swag ver o pessoal a andar na rua com o stick às costas, e a beleza e pujança física do desporto dão-lhe algum magnetismo. Ainda assim é um desporto com pouca visibilidade, infelizmente, e praticamente inexistente fora dos países latinos.

Handicap: -2

Quase todos os pontos contra estão incluídos nos factores anteriores. A única coisa que falta mencionar é a propensão para lesões dolorosas (stickadas, boladas e quedas feias) ou prolongadas (joelhos, devido à posição e movimentos do corpo, sobretudo no caso dos guarda-redes).


FINAL SCORE: 22




quinta-feira, 2 de abril de 2015

Jogar com a cabeça



O Rajon Rondo, base dos Dallas Mavericks, é um dos jogadores mais inteligentes que já vi jogar, seja em que desporto for. Mais do que isso, é daqueles tipos que parece tomar as melhores decisões em fracções de segundo, por instinto.

No último jogo dos texanos, contra os Oklahoma City Thunder, o Rondo fez mais uma dessas. Primeiro, mergulhou sobre uma bola meio perdida, forçando o jump ball (quando a bola é agarrada simultaneamente por jogadores de equipas diferentes, a decisão é feita em "bola ao ar"). Só que calhou que, do outro lado, estava Mitch McGary, 25cm mais alto que Rondo. O normal seria uma de duas coisas: ou nem tentar e conservar energias, ou esforçar-se ao máximo por ganhar a bola ao ar através da sua capacidade física, como tinha feito contra Udonis Haslem (15cm mais alto).



A decisão mais inteligente, claro, foi a que Rondo tomou. É impressionante como ele compreende que, na diferença entre Haslem e McGary (10cm) está a fronteira que separa uma bola que ele consegue ganhar de uma impossível. Pela posição do corpo do adversário, e sabendo que ele não teria grande dificuldade em chegar à bola, o sítio mais lógico para onde McGary iria passar seria para o seu lado esquerdo. Rondo espera que McGary salte e lança-se para o sítio onde ele achava que a bola iria estar. Depois de alguns ressaltos ganha a bola e os Mavericks marcam numa transição fácil. O jogo estava ainda no início, 21-17 para os Dallas, mas a verdade é que Rondo impediu a posso de bola e possível cesto dos Thunder e fez com que a sua equipa marcasse os dois pontos. Um 4-point-swing, portanto. O jogo terminou 135-131 para Dallas.